quinta-feira, março 30, 2006

O craque do jejum


O período compreendido entre o final dos anos 70 e o início dos 90 foi de muito sofrimento para uma das maiores torcidas do futebol paulista e brasileiro. Após muitos anos de felicidade e grandes conquistas proporcionadas pelas chamadas "duas Academias", o Palmeiras ingressou num terrível jejum, que se estendeu de 1977 (coincidência ou não, o ano em que o Divino Ademir da Guia fez sua última partida como profissional) a 1993 (ano da redentora conquista estadual com direito a um indiscutível 4 x 0 no rival Corinthians).


Durante este tempo, o torcedor alviverde viu vários jogadores chegarem e saírem. Toda a sorte de atletas: de craques de seleção, como Batista, Enéas, Mário Sérgio e Neto, a outros não tão, digamos, "brilhantes", como Jaime Bôni, Bizu, Darinta e Rondinaldo. Alguns times montados eram indiscutivelmente fortes e talvez lhes tenha faltado apenas sorte; outros, contudo, eram risíveis e totalmente incondizentes com as tradições palmeirenses.


De todos estes jogadores, o que maior destaque obteve nos anos de penúria foi Jorge Antônio Putinatti, ou simplesmente, Jorginho. Natural de Marília, interior paulista (23/08/1959), cedo obteve destaque jogando na equipe local, onde profissionalizou-se em 1976. Após brilhar na Copa São Paulo de Juniores de 1978 e no Campeonato Paulista do mesmo ano, desembarcou no Parque Antártica cercado de expectativa e confiança.


Não demorou a conseguir seu espaço na equipe principal e rapidamente caiu nas graças da torcida. O Palmeiras de 1979 era uma equipe muito forte montada pelo técnico Telê Santana, de jogo bonito e ofensivo, e que aliava a juventude de promessas como o goleiro Gilmar, o lateral-esquerdo Pedrinho e o próprio Jorginho à experiência de jogadores como o zagueiro Polozzi e o meia Jorge Mendonça, ambos reservas da seleção que havia disputado a Copa do Mundo da Argentina, no ano anterior.



Jorginho era um jogador de futebol elegante, de futebol refinado e habilidoso. Assumiu a camisa 7, mas não chegava a ser um autêntico ponta-direita, deslocando-se por todas as funções do ataque e também funcionando como meia ofensivo. Suas cobrança de escanteio eram eficientes e venenosas: além de municiarem as perigosas jogadas de cabeceio dos atacantes e dos zagueiros, não raro culminavam em belos gols olímpicos. Fazia também lançamentos magistrais e seu controle de bola era esplêndido. Seu maior defeito estava fora de campo: a excessiva discrição e a falta absoluta de marketing pessoal, que muito atrapalharam sua carreira, especialmente em termos de seleção brasileira, em benefício de outros jogadores de categoria nitidamente inferior.



O ápice daquele time se deu num palco bastante apropriado: em pleno Maracanã, diante de quase 120 mil torcedores, e contra um Flamengo poderoso, que conquistaria, tempos depois, três títulos brasileiros, uma Libertadores e um Mundial Interclubes. E o Verdão não tomou conhecimento: aplicou sonoros 4 x 1 e garantiu vaga nas semifinais do Brasileiro daquele mesmo ano. Na semifinal, contudo, prevaleceria a força do Internacional, que contava com Falcão no auge da forma, e conquistaria um inédito título invicto.



O ano de 1980 começou com dois revezes para Jorginho. Primeiro, fez parte da malfadada seleção brasileira que disputou o Pré-Olímpico da Colômbia, e sequer chegou perto de conquistar a vaga nos Jogos de Moscou, com direito a humilhantes derrotas para Peru (0 x 3) e os donos da casa (1 x 5). Na volta para casa, o favorito Palmeiras, sem ritmo em virtude da paralisação do campeonato e das férias, perderia as semifinais do Paulistão para o Corinthians, graças a um sofrido gol de canela de Biro-Biro. Após o jogo, Telê se despediu para assumir a Seleção.



Teve início ali a decadência alviverde. A equipe já não ganhava títulos há quatro anos, mas vinha se mostrando sempre competitiva em todos os campeonatos. Mas a saída de jogadores importantes, como Rosemiro e Jorge Mendonça, e apostas equivocadas para o cargo de técnico (como Diede Lameiro e Sérgio Clérice), em pouco tempo minaram aquele belo time de outrora.



Após uma campanha medíocre no Paulistão de 1980, o Palmeiras foi obrigado a disputar a Taça de Prata (o Brasileiro da Série B da época) em 1981. Mesmo ostentando um time tecnicamente medíocre, em que jogadores nada brilhantes como o volante Vitor Hugo e o atacante Sena acabavam sendo destaques, conseguiu, à base de muita raça, subir para a segunda fase da Taça de Ouro naquele ano
[o complicado regulamento da época permitia]. Chegando lá, porém, a equipe caiu na real ao ser eliminada por Sport e Internacional (com direito a uma humilhante goleada de 6 x 0 para o Colorado).


Outros vexames se seguiram, tais como goleadas humilhantes (como os 6 x 2 para o São Paulo no Paulistão de 1981, e as duas surras sofridas no torneio Ramón de Carranza do mesmo ano, 0 x 5 para o Sevilla e 0 x 4 para o CSKA Sofia) e uma nova Taça de Prata de 1982; desta vez, junto com o arquirrival Corinthians, mas os rivais não tiveram coragem de se provocar. Contudo, Jorginho, assim como o becão Luís Pereira (de volta após seis anos fora) e o lateral-esquerdo Pedrinho, conseguiam passar à margem da crise e manter seu prestígio com a torcida.



Pedrinho cansou das humilhações e rumou ao Vasco no início de 1982. A partir daí, Jorginho assumiu a condição de ídolo maior no Palestra. E no ano seguinte, com o time de volta à Taça de Ouro e investimentos pesados (tais como o técnico Rubens Minelli e o volante Batista), parecia que as coisas iriam voltar ao normal. O Palmeiras voltou a fazer bons campeonatos, embora continuasse fraquejando na hora de decidir. E a maior visibilidade finalmente deu a Jorginho a sonhada chance na Seleção. Foi titular durante toda a primeira e frustrante passagem de Carlos Alberto Parreira no comando do Escrete.



No Palestra Itália, a sorte teimava em não sorrir para o jogador. No Paulista de 1984, por exemplo, o time ia bem até explodir o escândalo de doping de Mário Sérgio. O Santos levou o caneco e a angústia alviverde já completava oito anos.



Em 1985, Telê reassumiu o comando da Seleção às vésperas das Eliminatórias para a Copa do México. E Jorginho, seu velho conhecido dos bons tempos de Palmeiras, foi convocado. Mas o sonho de finalmente se firmar com a camisa amarela virou pesadelo com uma grave contusão sofrida num simples treinamento contra os juniores do Atlético-MG: fratura de tíbia e fíbula.



Seguiram-se meses de trabalhos intensos de fisioterapia, medo e incerteza quanto ao retorno. Mas nada tão duro quanto a ingratidão. Seu contrato com o Palmeiras estava perto do final quando da contusão, e o jogador ficou oito meses sem receber salários. No fim, a renovação foi feita em valores muito inferiores ao pretendido. Voltou a jogar em março de 1986, mas já era tarde para conseguir um lugar na Seleção que iria à Copa. E Jorginho teve que se contentar em ver o Mundial pela TV.



Já o Palmeiras, completando àquela altura uma década sem títulos importantes, fazia mais uma tentativa de encerrar a agonia. Montou uma equipe forte, com atacantes de prestígio como Mirandinha, Edmar e Éder. Chegou a empolgar algumas vezes, como nas sonoras goleadas de 5 x 1 e 3 x 0 sobre o arquirrival Corinthians, mas a frustração retornou com força total após a inacreditável derrota para a inexpressiva Internacional de Limeira na final.



Jorginho ainda ficou tempo suficiente para a disputa do Brasileiro em 1986, e deixar uma marca eterna para a torcida. Posou para uma foto de capa da revista PLACAR segurando um porquinho, simbolizando a adoção do novo mascote, antes um apelido pejorativo criado pelos rivais, pela torcida alviverde. Ao final da temporada, despediu-se do Parque Antártica. Levou consigo a marca de um grande jogador, com ótimos números (373 jogos e 95 gols, sendo o 11.º maior artilheiro da história do clube), mas sem a sonhada marca dos títulos.



Acabou transferindo-se justamente para o arquirrival Corinthians, numa rara negociação direta entre os dois clubes. Não caiu nas graças da Fiel; nada de surpreendente, dada sua identificação com as cores rivais. Tampouco brilhou em campo. O time, após uma reação histórica no Campeonato Paulista (de lanterna no primeiro turno a vice-campeão), fez uma campanha ridícula na Copa União (o Brasileiro daquele ano), sendo o último colocado e dando graças aos céus pelo fato de não haver rebaixamento naquela temporada. A gota-d'água foi a cena dantesca ocorrida na derrota de 2 x 1 para o Atlético-MG em pleno Pacaembu, quando um torcedor invadiu o campo, agrediu o jogador e voltou à arquibancada sob os aplausos do resto da torcida.



Sem qualquer clima para continuar no Parque São Jorge, foi para o Fluminense. Seis meses de passagem discreta e sem glórias. De lá, rumou para Porto Alegre, onde foi defender o Grêmio. O time parecia o ideal, afinal era o então tetracampeão gaúcho e um candidato forte ao título brasileiro.



Não foi bem assim: o Internacional despachou o Tricolor na semifinal da segunda e última Copa União, no que ficou conhecido como "Gre-Nal do Século". E durante o Gauchão, Jorginho foi transferido ao Guarani. Ironicamente, dois meses depois de sua saída, o Grêmio faturou o penta. A fama de "pé-frio" estava mais que consolidada.



Após apenas três meses no Bugre, Jorginho tomou o caminho da Vila Belmiro, para defender o Santos. E uma vez mais, não brilhou. Seu futebol já estava em queda, e a conseqüência foi o acerto com o XV de Piracicaba para a temporada de 1990.



Mais uma passagem rápida. Seduzido por uma oferta do ainda incipiente futebol japonês, Jorginho assinou com o Toyota. Lá foi ídolo e ganhou seu primeiro e único título profissional: a Copa do Imperador de 1992. Em 1993, foi para o Nagoya Grampus Eight, onde ficou mais três temporadas e finalmente encerrou sua carreira.



Voltou para Marília, onde hoje administra o Jorginho Sports Center. Está bem financeiramente e seu talento futebolístico é reconhecido por todos que o viram jogar. Apenas a frieza dos números não lhe fez justiça.



Publicado originalmente no fórum Tabelando do site 7SportsBrasil (
www.7sportsbrasil.com) em agosto de 2005


Foto: Gazeta Esportiva

segunda-feira, fevereiro 27, 2006

O alicerce da reação americana






Depois de anos mergulhado em uma aparentemente irreversível decadência, o tradicional América do Rio de Janeiro parece ensaiar um ressurgimento das cinzas. Foi vice-campeão da Taça Guanabara, perdendo o título para o Botafogo, e agora, com duas vitórias em duas partidas, mostra que vai brigar também pelo título da Taça Rio, para depois, quem sabe, terminar enfim com um jejum de títulos estaduais que já dura longos 46 anos.

O início desta reação pode ser creditado, em boa parte, a um homem: Jorge Amorim de Oliveira Campos, ou simplesmente, Jorginho.

Nascido no Rio de Janeiro em 17/08/1964, o lateral-direito Jorginho foi um dos jogadores mais vitoriosos de sua época. E tudo começou no próprio América, que defendeu desde as categorias de base. Desde muito cedo se destacou, sendo convocado para as seleções brasileiras inferiores. E foi ali que conquistou seu primeiro grande título, o então inédito mundial de juniores (atual mundial sub-20) vencido em 1983, no México, em uma final disputadíssima contra a Argentina (vitória de 1 x 0, gol de pênalti do meia vascaíno Geovani).

Ao retornar, começou a ter maiores chances na equipe principal do América, onde disputava posição com Donato (que anos depois, fixado na zaga, teve passagens por Vasco e La Coruña, naturalizando-se espanhol e atuando pela seleção daquele país). Eventualmente, também atuava deslocado pela lateral-esquerda. Logo se destacou mostrando um futebol marcado por uma excelente técnica, avanços seguros ao ataque, excelentes cruzamentos e eficiência também na marcação. Para ajudar ainda mais, o América tinha uma excelente equipe, tanto que cedeu quatro jogadores (Aírton, Pires, Moreno e o próprio Jorginho) à seleção brasileira que disputou o Pan-Americano daquele mesmo ano na Venezuela. Jorginho retornou com o acréscimo da medalha de prata a seu currículo.

No ano seguinte, disputou também o Pré-Olímpico, no qual conquistou mais uma taça. Contudo, ficou fora dos Jogos de Los Angeles, em que a seleção, devido a divergências com os clubes por causa da liberação dos jogadores, se fez representar quase que integralmente pelo Internacional de Porto Alegre. Em meados daquele ano, Jorginho foi negociado com o Flamengo.

Logo assumiu a condição de titular da equipe. Sua contratação permitiu, inclusive, o deslocamento do então lateral Leandro, titular da seleção na Copa de 1982, para a zaga central. Tal opção se fazia necessária devido às condições físicas do antigo camisa 2 da Gávea, que sofria do chamado "Mal de Cowboy" (pernas exageradamente arqueadas), o que comprometia os joelhos e impossibilitava os constantes avanços ao ataque. Na mesma época, Jorginho tornou-se evangélico e entrou para o grupo dos Atletas de Cristo (fundado pelo ex-goleiro do Atlético-MG João Leite e pelo ex-piloto Alex Dias Ribeiro), dos quais sempre foi um dos maiores representantes, sendo inclusive seu atual presidente.

Ficou fora da Copa de 1986, no México, mas seu futebol logo o tornou uma presença constante na seleção. Foi convocado para mais um torneio pré-olímpico, em 1987, no qual conquistou mais um caneco. Ainda ganhou o estadual de 1986 e a polêmica Copa União, em 1987, com o Flamengo. Em 1988, conquistou a medalha de prata olímpica, integrando uma bela seleção que ainda contava com craques como Taffarel, Romário e Bebeto, todos símbolos de uma geração extremamente vitoriosa nos anos seguintes.

Assumiu definitivamente a camisa 2 da seleção principal, pela qual conquistou a Copa América de 1989. No mesmo ano, deu adeus ao Flamengo, negociado com o Bayer Leverkusen da Alemanha. Conseguiu adaptar-se rapidamente ao duro futebol germânico, tornando-se um ídolo local. Mas sofreu um abalo com a péssima campanha da seleção comandada por Sebastião Lazaroni no Mundial de 1990, na Itália, que culminou com uma prematura eliminação pela Argentina nas oitavas-de-final.

Após aquela Copa, os jogadores ditos "estrangeiros" passaram a ser alvo da fúria do torcedor e mesmo da imprensa esportiva. Eram acusados de desmotivação, de ganharem salários altíssimos e comportarem-se de forma indolente ao servir á seleção brasileira. Jorginho foi um dos que pagou pela generalização, ficando mais de dois anos afastado das convocações. Na Copa América de 1991, no Chile, Paulo Roberto Falcão, que iniciava sua carreira de treinador justamente no comando da seleção, substituindo Lazaroni, preferiu apostar no novato são-paulino Cafu e em Mazinho, um dos poucos a sair da Copa de 1990 sem arranhões.

Jorginho voltou a ser convocado com a chegada de Carlos Alberto Parreira. E logo reassumiu seu posto de titular. Em 1992, trocou de camisa na Alemanha, saindo do modesto Leverkusen para ingressar no poderoso Bayern Munique. Na Bavária, conquistou enfim seu primeiro título em campos europeus, o alemão de 1993/94. E seu prestígio no futebol europeu só crescia. No Brasil, contudo, parte da opinião pública, notadamente a paulista, defendia que Cafu deveria assumir a camisa 2 para o Mundial dos Estados Unidos, em 1994.

Parreira, bem ao seu estilo, manteve-se inflexível. Ao menos neste caso, agiu com correção. Embora Cafu fosse um atleta de maior vigor físico e velocidade, Jorginho tinha maior domínio da posição, e a seleção não poderia prescindir de sua categoria e experiência. No Mundial, foi um dos destaques da equipe, apoiando com precisão e efetuando preciosos cruzamentos, inclusive
o que originou o gol que valeu o lugar na decisão, marcado de cabeça pelo nanico Romário na dramática semifinal contra a Suécia. Na final contra a Itália, contudo, Jorginho não pôde dar maior contribuição, graças a uma contusão muscular que o tirou de campo logo aos 10 minutos de jogo. Cafu jogou o restante do tempo normal e a prorrogação, sem brilhar, mas ao menos Jorginho garantiu um lugar no poster do tetra.

Despediu-se da seleção em 1995, aos 31 anos, após um vice-campeonato na Copa América do Uruguai e dois amistosos no Oriente contra Coréia e Japão. Acabou ficando por lá, atraído por um contrato com o Kashima Antlers, equipe que já havia contado com outros ex-flamenguistas como Leonardo, Alcindo e o maior de todos, Zico. Acresceu à sua coleção particular mais dois títulos japoneses, em 1996 e 1998, e ainda a eleição como melhor jogador da temporada local em 1996.

Retornou ao Brasil em 1999, contratado pelo São Paulo. Aos 34 anos, já havia abandonado a lateral e fixado-se no meio-campo. Após um ano de Morumbi, em uma temporada sem títulos e dramatizada por duas eliminações em semifinais pelo arquirrival Corinthians (no Paulista e no Brasileiro), voltou ao seu Rio de Janeiro, mas agora para defender as cores vascaínas.

Contundiu-se logo na chegada e quase não atuou no Mundial da FIFA (vice-campeão, novamente com uma derrota para o fortíssimo Corinthians da Hicks Muse), mas voltou em tempo de conquistar a esquecível e desorganizada Copa João Havelange (o Brasileiro de 2000) e a Copa Mercosul, em inacreditável virada contra o Palmeiras no jogo final. Despediu-se de São Januário antes do final de 2001, devido a desavenças com o truculento Eurico Miranda, motivadas pelos já tradicionais atrasos de salário do clube.

Foi para o Fluminense em 2002, mas pouco jogou. Aos 37 anos e já sem o fôlego de antigamente, despediu-se dos campos, sem maior pompa. Uniu-se ao antigo parceiro de Flamengo e seleção Bebeto em projetos de empresariamento e parcerias extracampo, primeiro no Goiânia e, agora, no América. Jorginho chegou ao alvirrubro em 2005, desejando ajudar o clube que o projetou para o mundo do futebol e há anos encontrava-se às moscas, abandonado administrativamente, corroído pelas dívidas e decadente tecnicamente, havendo perdido terreno para equipes modestas como Americano e Volta Redonda. Para tanto, vem acumulando as funções de técnico e manager.

Trazendo consigo veteranos desacreditados como Robert e Valber, e promessas como Cris e Guerra, Jorginho está devolvendo ao América a auto-estima perdida nas últimas décadas. Até já se arrisca em uma campanha polêmica: evangélico fervoroso, quer substituir a mascote do clube, substituindo o tradicional diabo por uma águia. Simbolismos à parte, a expectativa é que Jorginho conquiste fora dos gramados as mesmas glórias que obteve dentro deles. Mas isso só o tempo poderá dizer.

Foto: SambaFoot

domingo, janeiro 29, 2006

O bóia-fria artilheiro





Geraldo da Silva nasceu pobre e desde muito cedo teve que lutar pela sobrevivência. Na sua Álvares Machado, interior paulista (onde nasceu em 25/07/1949), o garoto dava duro no serviço de bóia-fria, contribuindo assim para aumentar um pouco as parcas economias da família.

A exemplo de tantos outros garotos de vida sofrida do interior, nutria o sonho de ser jogador de futebol. Nas folgas, destacava-se nas peladas disputadas com seus colegas de enxada. Não era exatamente um craque: na verdade, tinha parcos recursos técnicos e alguma dificuldade no trato com a bola. Contudo, dentro da área revelava-se um temível artilheiro, alto, exímio cabeceador, forte no corpo-a-corpo e de boa velocidade. Um autêntico camisa 9 de ofício.

Com tais características, chamou a atenção da extinta Prudentina, de Presidente Prudente, seu primeiro clube profissional, com o qual assinou em 1968. Finalmente Geraldão dava adeus ao duro trabalho do campo.

Ficou pouco tempo por lá; a equipe, recém-rebaixada da divisão principal do futebol paulista, estava em decadência e logo fecharia suas portas. Após passagens por outras duas modestas e finadas agremiações (São Bento de Marília e A. A. Epitaciana, de Presidente Epitácio), desembarcou em 1970 no Botafogo de Ribeirão Preto, o tradicional Pantera.

Jogando por uma equipe de maior estrutura e tradição, pôde enfim se firmar e mostrar seu futebol de pouco brilho mas muito suor, raça e, principalmente, gols. Devido a seu jeitão simples e emotivo, logo ganhou o apelido de "Manteiga". E as coisas melhoraram ainda mais com a promoção ao time titular de um jovem grandalhão e magricela, de futebol aparentemente indolente mas que revelava o surgimento de um grande craque brasileiro. Ao contrário de Geraldão, teve uma vida mais abonada e conciliava o futebol com o curso de medicina. Sim, ele mesmo, o Doutor Sócrates.

Apesar das diferenças de estilo, fizeram uma grande dupla. Sócrates era o arco e Geraldão, a flecha. O sucesso de ambos se espalhou rapidamente por todo o Estado. Especialmente a partir de 1974, ano em que Geraldão sagrou-se artilheiro do Paulistão com 23 gols, a maioria deles nascidos dos eficientes passes do Doutor.

Obviamente, ambos passaram a chamar atenção dos clubes grandes do Estado e até do resto do País. Mas Sócrates foi irredutível: preferiu manter-se em Ribeirão até concluir seu curso. E a dupla foi desfeita (momentaneamente) quando Geraldão foi contratado pelo Corinthians, em agosto de 1975.

A Fiel torceu o nariz quando de sua apresentação. Viviam-se os difíceis anos do jejum, àquela altura já totalizando 21 anos sem um mísero título paulista. E os torcedores sabiam das limitações técnicas daquele humilde camisa 9. Se centroavantes consagrados como Flávio, Servílio, Nei e Silva, entre outros, não haviam conseguido pôr fim ao período negro corintiano, o que esperar de um grosso que já passava dos 26 anos?

A desconfiança durou pouco. E nem foi tão difícil: graças a um futebol que consistia basicamente em "ir na bola como se ela fosse um prato de comida", lembrando seus tempos difíceis na roça, e sua grande fome de gols, rapidamente Geraldão conquistou a torcida corintiana, que em sua grande maioria compartilhava com ele a origem humilde.

Eternizou-se na história do clube no ano da graça de 1977. Após três dramáticas partidas decisivas contra o maior time da história da Ponte Preta, o Corinthians finalmente reconquistou o Paulistão graças ao histórico gol do meia Basílio. Geraldão não marcou em nenhuma das três finais, mas contribuiu, e muito, para a conquista: foi o artilheiro da equipe com 23 gols (atrás apenas do são-paulino Serginho, que marcou 32). E outro fato que o deixou para sempre no coração da torcida foram os confrontos contra o mesmo São Paulo: em 1977, foram cinco partidas ao longo do ano somando-se os campeonatos Paulista e Brasileiro, e cinco vitórias corintianas; e em todas elas, um gol do Manteiga.

A lua-de-mel teve um hiato no Paulistão de 1978. O recém-chegado técnico José Teixeira não era um apreciador do estilo desengonçado de Geraldão. Então o artilheiro foi emprestado ao Juventus para a disputa do Estadual, e em seu lugar ficou o polêmico Rui Rei, um jogador mais técnico.

Na Rua Javari, Geraldão fez muitos gols ajudado por um bom time, em que se destacavam o ponta Ataliba, o becão Deodoro e o meia César, entre outros. Naquele mesmo campeonato, o Moleque Travesso fez grandes duelos contra o Corinthians: Geraldo não marcou contra seu ex-time, mas Ataliba deixou o seu em três das quatro partidas, o que contribuiu para que fosse contratado tempos depois. Nas duas últimas, duas vitórias juventinas que ajudaram a impedir o bi alvinegro.

A torcida exigiu seu retorno e Geraldão voltou por cima. Melhor ainda: reeditando a dupla com o parceiro Sócrates, que havia desembarcado no Parque São Jorge no ano anterior. Continuou fazendo seus golzinhos e ajudou na conquista de mais um título, o de 1979 (decidido em fevereiro de 1980), e mais uma vez diante da freguesa Ponte Preta. Contudo, antes das finais foi barrado pelo treinador Jorge Vieira, e assistiu à conquista do banco.

Depois disso, as coisas se complicaram. O Paulistão de 1980 e o Brasileiro de 1981 foram desastrosos para o Timão: craques como Sócrates e Wladimir não conseguiam compensar a fragilidade de jogadores medíocres como o goleiro Solitinho, o zagueiro Djalma e o meia Eli; Amaral, antes titular absoluto da seleção, mergulhou em uma má fase da qual não mais saiu; e antigos ídolos como Zé Maria, Vaguinho e Basílio começavam a sentir o peso da idade.

O último capítulo de Geraldão no Corinthians se deu na noite de 12 de março de 1981, na vexatória goleada de 4 x 1 imposta pelo Santa Cruz em pleno Pacaembu. Foi dispensado pelo clube, assim como Vaguinho, Amaral e Basílio. Novamente tomou o rumo da Rua Javari, mas agora em definitivo. Deixou o Timão com a marca de 278 jogos e 90 gols.

Parecia que era o fim da linha para o camisa 9, àquela altura já contando 32 anos. Mas a salvação de sua carreira veio do Sul do País: de forma surpreendente, o Grêmio foi buscá-lo como reforço para a fase final do Gauchão de 1981. Geraldão serviria como "sombra" para o jovem Baltazar, já um goleador consagrado, mas que desagradava a boa parte da torcida tricolor por sua participação apenas discreta em Gre-Nais.

Geraldão ganhou a posição e começou a fazer seus golzinhos. No hexagonal que decidiu aquele Gauchão, o Internacional chegou a abrir cinco pontos de vantagem e parecia que liqüidaria a fatura com antecedência; contudo, alguns tropeços do Colorado diminuíram a distância, e na última rodada, apenas um ponto separava os rivais. O empate em 1 x 1 deu enfim o título ao Inter, mas Geraldão deixou uma boa impressão.

Voltou para São Paulo e depois de dois meses inativo, recebeu nova proposta de Porto Alegre. Desta vez, o próprio Inter decidiu requisitar seus serviços de goleador, apostando no camisa 9 que quase havia lhe tirado um título certo no ano anterior.

O futebol de Geraldão casou-se perfeitamente com o estilo mais forte e raçudo praticado no Rio Grande do Sul. Não demorou a cair no gosto da torcida colorada, até então ressabiada com sua passagem gremista. E quem ainda alimentava alguma desconfiança se rendeu definitivamente na decisão do título de 1982.

O campeonato novamente foi decidido em um hexagonal final. Mas as finais ficaram mesmo reservadas aos dois Gre-Nais decisivos. No primeiro, em 07 de novembro, o Inter venceu com autoridade no Beira-Rio, por 3 x 1, os três de Geraldão. E na decisão, no dia 28 do mesmo mês, o Olímpico abarrotado agüardava o troco e a conquista do título. Mas o Inter arrebatou a faixa com outra vitória indiscutível, 2 x 0, dois gols... dele mesmo. Em resumo: todos os cinco gols colorados nos dois Gre-Nais decisivos daquele ano foram anotados por Geraldão. De quebra, sagrou-se artilheiro da competição com 20 gols. Não tinha como não virar ídolo depois disso.

Por sinal, Geraldão havia prometido fazer os tais 20 gols no início da competição. E ao chegar ao Gre-Nal final com 18 tentos, prometeu: "vou fazer os dois gols que faltam neles". No final da partida, perdeu talvez o gol mais feito de todo o campeonato. Ao ser entrevistado, justificou-se marotamente que havia prometido 20 gols, e não 21...

Um grupo de samba da capital porto-alegrense até o homenageou com uma música, presente no álbum do tricampeonato gaúcho de 1983:

Gera, gera, gera, Geraldão
É um grande artilheiro
Alegria do povão
Saiu do Parque
Foi para a Rua Javari
Com a sua grande força
Nunca foi de se cair
Foi ao Olímpico, uma desilusão
Chegou ao Beira-Rio para ser o campeão

Ainda ficou no Beira-Rio tempo suficiente para ganhar o título de 83, e mais uma vez como artilheiro. Cumprida sua missão nos Pampas, foi defender o Colorado de Curitiba (que anos depois se fundiria ao Pinheiros para dar origem ao atual Paraná Clube). O "Boca Negra" havia montado uma equipe à base de veteranos como o goleiro Remi, o meia Jaiminho e outros. Mas o projeto ousado fracassou e a equipe teve que se contentar com uma modesta vaga na Taça de Prata do ano seguinte.

Geraldão deixou Curitiba e até o fim da carreira rodou bastante: Mixto-MT (1985), Corinthians de Presidente Prudente (1986/87), Itararé-SP (1987), União Valinhos (1988) e Garça (1989), onde finalmente encerrou sua longa carreira, já quarentão.

Voltou a seu amado Corinthians para assumir o cargo de técnico dos juvenis. Foram quatro anos que renderam boas revelações para o time profissional, como Marques, Silvinho, Cris, Edu, André Santos, Zé Elias e Marcelinho Paulista.

Ainda hoje bate sua bolinha pelo time de Masters do alvinegro, rodando o interior do País junto com ex-companheiros como Biro-Biro, Ataliba e Zé Eduardo. E também ensina futebol a crianças carentes em projeto da Prefeitura de São Paulo.

Mágoas? Apenas da atual administração corintiana. Geraldão lamenta ter sido várias vezes barrado na porta do Parque São Jorge. Tantas vezes que nem mais se interessa em acompanhar os treinos de seu time de coração. Mas a torcida sempre guardará na memória aquele centroavante de técnica tosca, mas de muita raça, entrega ao time e gols decisivos.

Publicado originalmente no fórum Tabelando do 7SportsBrasil (http://www.7sportsbrasil.com/forum) em setembro de 2005

Agradecimentos a Jackson "Dave Mathews" Lucas pela sugestão e colaboração

Foto: Gazeta Esportiva

De herdeiro de Zico a rei de León





Em 28 de setembro de 1977, uma quarta-feira, Flamengo e Vasco adentraram o gramado do Maracanã para decidir o segundo turno do Campeonato Carioca [na época, este turno ainda não recebia o nome de Taça Rio]. Era um jogo de vida e morte, muito mais para o Mengo, pois o Vasco havia conquistado o primeiro turno e, caso ganhasse também o segundo, levaria o título estadual por antecipação.

Exatas 152.059 pessoas assistiram o jogo, um público inimaginável para os dias de hoje. A partida foi nervosa, truncada e as defesas (especialmente a do Vasco, uma verdadeira muralha formada pelo goleiro Mazarópi mais Orlando Lelé, Abel, Geraldo e Marco Antônio, e que não havia tomado um gol sequer naquele segundo turno) anularam os ataques. Após um 0 x 0 no tempo normal e na prorrogação, a decisão foi para os pênaltis.

Todos os jogadores converteram suas cobranças. Na última cobrança do Flamengo, e que fecharia a série, um garoto de 19 anos, maior destaque dos juniores da Gávea e mal ingressando na equipe profissional, encarregou-se da espinhosa missão. Mas foi infeliz: Mazarópi defendeu a cobrança e o Vasco conquistou o título.

Estivesse em outra equipe, o jovem quem sabe teria sido crucificado pela derrota, dispensado e desaparecido do cenário futebolístico. Mas o Flamengo, no início da primeira gestão Márcio Braga, estava afundado em dívidas [viram? não é uma novidade...] e começava a priorizar a prata-da-casa, aliando jovens promessas a algumas poucas contratações de impacto, como Cláudio Adão e Carpegiani.

Mas havia bons motivos para apostar naquele garoto em especial. Tita era considerado o principal craque da equipe de base e muitos apostavam que estaria ali o "futuro Zico" da Gávea, mesmo porque era sua a camisa 10 dos juniores.

Tita, ou Milton Queiróz da Paixão, nascido no Rio de Janeiro em 01/04/1958, era um meia hábil e muito técnico. E fazia seus gols, ainda que não na mesma quantidade do Galinho. Após um período de entradas e saídas na equipe principal, assumiu definitivamente uma vaga de titular no início de 1979, sendo escalado como um falso ponta-direita, vestindo a camisa 7.

Logo chamou a atenção por ser genioso: dizia a quem quisesse ouvir que sonhava era com a camisa 10, ocupada justamente pelo ídolo maior da torcida e maior jogador do País na época. Político, Zico afirmava que quem sabe um dia ele mesmo mudaria de ares e o garoto ganharia a tão sonhada camisa. Outra curiosidade que chamou logo a atenção de todos era o fato de Tita ser mórmon: não fumava, não bebia, e orgulhava-se de ainda ser virgem. Salvo alguma "escorregada", ele só daria seu "pontapé inicial" nesse campo em 1981, ao casar-se com Sandra, freqüentadora da mesma igreja.

Destacando-se numa equipe já poderosa, cheia de craques, e tendo como técnico Cláudio Coutinho, que acumulava o mesmo cargo na Seleção Brasileira, não demorou a ter sua primeira chance com a "amarelinha". Depois de atuar numa partida não-oficial contra a Seleção Baiana, fez sua estréia de fato justamente contra a Argentina, em pleno Maracanã, em 02 de agosto de 1979. O jogo era válido pela Copa América [que na época não tinha uma sede fixa, sendo disputada em jogos de ida e volta entre os países participantes], e Tita saiu-se muito bem, marcando um dos gols da vitória de 2 x 1.

Teve sua tão sonhada chance de vestir a 10 rubro-negra ao substituir o então contundido Zico no terceiro turno do Estadual que deu ao clube o tricampeonato naquele mesmo ano. Saiu-se muito bem, mas era impossível competir com o Galinho na época, e este recuperou a camisa ao retornar.

Os anos seguintes foram gloriosos: campeão brasileiro em 1980, uma "tríplice coroa" em 1981 (carioca, da Libertadores e Mundial) e um novo título nacional em 1982. Mas a concorrência com Zico era clara para todos. Tita queria para si o posto de camisa 10 e maior ídolo da torcida, e nas raras oportunidades que a teve dava tudo de si, como numa partida contra o Bangu em que fez todos os gols na vitória de 3 x 0.

De sucesso indiscutível no clube, apesar destas pequenas picuinhas, não conseguiu ter uma maior seqüência na Seleção: foi convocado por Telê Santana para vários amistosos em 1980 e disputou o Mundialito do Uruguai e as Eliminatórias em 1981, mas acabou fora do Mundial de 1982 devido à grande concorrência no ataque.

No início de 1983, o clima andava tenso na outrora feliz e ensolarada Gávea. O Fla havia acabado de perder o bi da Libertadores e sido derrotado pelo até então "freguês" Vasco (que vinha de cinco vice-campeonatos consecutivos) na decisão do Estadual. Carpegiani, agora técnico, começava a ter atritos com alguns dos principais jogadores da equipe, especialmente Nunes e Tita. Ambos foram emprestados: o primeiro para o Botafogo, e o último para o Grêmio.

Tita desembarcou no Olímpico cercado de desconfiança devido a suas origens "cariocas". Mas sua contratação foi um especial pedido do jovem técnico Valdir Espinosa [ainda sem o "y" no nome...]. O Tricolor disputaria a Libertadores e precisava de jogadores de qualidade e experiência na competição.

A desconfiança acabou rápido. Tita assumiu a 10, rapidamente se adaptou à equipe, impôs seu futebol e virou ídolo da torcida. Foi um dos principais nomes da então inédita conquista gremista. Para melhorar, eliminou na primeira fase da competição sul-americana justamente o Flamengo do desafeto Carpegiani, que acabou demitido e vendo Carlos Alberto Torres levar o rubro-negro ao terceiro título nacional.

Mas o casamento gaúcho acabou rápido. Após a venda de Zico para a Udinese da Itália, o Flamengo exigiu o rápido retorno de Tita. O Grêmio tentou segurá-lo de todas as formas, alegando a disputa do Mundial Interclubes contra o Hamburgo alemão no final da mesma temporada, mas o rubro-negro foi irredutível. E Tita também estava empolgado em finalmente jogar como ponta-de-lança, sua real posição, e com a sonhada camisa 10.

Mas as coisas não funcionaram assim tão bem. O Flamengo vivia um momento de transição e começou a acumular tropeços: dois vices seguidos no Estadual (ambos diante do Fluminense do "Casal 20" Washington e Assis), e eliminações com goleadas no Brasileiro de 1984 (1 x 4 diante do Corinthians) e na Libertadores do mesmo ano (1 x 5 para o Grêmio). E em 1985, Zico voltou da Itália. Deixando clara a competição que havia entre os dois, Tita preferiu sair. Desta vez, definitivamente. Deixou a Gávea com a boa marca de 387 jogos e 131 gols.

Voltou ao Rio Grande, mas desta vez para o lado vermelho. Talvez não tenha sido o melhor a fazer: o Grêmio iniciava na mesma época um domínio no Estado que se estenderia até 1990. Tita alternou partidas excelentes com outras não tão inspiradas no Colorado, e acabou por retornar ao Rio de Janeiro no início de 1987. Foi contratado pelo Vasco.

Adaptou-se rapidamente a São Januário, fez os vascaínos esquecerem sua origem rubro-negra e voltou a sentir o gostinho de ser ídolo. Ainda mais por ter marcado o gol do título carioca do mesmo ano, justamente contra o Flamengo, um golaço que ficou mais famoso pela comemoração, em que ergueu a camisa sobre a cabeça, gesto tão banalizado no futebol de hoje em dia.

Contudo, este foi outro casamento rápido. O Bayer Leverkusen fez uma proposta e Tita, já aos 29 anos, não hesitou: rumou à Alemanha. E mais uma vez se deu bem: levou o então modesto time alemão, que também contava com o já veterano atacante sul-coreano Bum Kum Cha, ao título da Copa da UEFA, batendo na final o Espanyol de Barcelona.

Havia virado definitivamente um cigano. Mal completou uma temporada germânica, foi para a Itália defender o Pescara, juntando-se a seus antigos chapas rubro-negros Júnior e Edmar. Mas o time era fraco e acabou rebaixado. Ao final da temporada, Júnior retornou a seu amado Mengo, onde encerraria sua gloriosa carreira alguns anos depois, e Tita tomou novamente o caminho de São Januário.

Foi campeão brasileiro em 1989, mas seu futebol não luziu com a mesma intensidade da primeira passagem. Mesmo assim retornou à Seleção pelas mãos de Lazaroni, seu técnico na conquista carioca de 1987. Ficou apenas no banco na Copa do Mundo da Itália em 1990, sob os protestos principalmente da torcida e imprensa paulista, que preferiam ver em seu lugar Neto, então em sua melhor fase no Corinthians. Ao final do Mundial, despediu-se da Seleção, pela qual marcou seis gols em 34 partidas.

No mesmo ano, seu lado cigano voltou a falar mais alto e Tita foi se aventurar no futebol mexicano, onde foi defender o Léon. E lá finalmente se fixou: foram seis temporadas, sempre como principal destaque, artilheiro da equipe e ídolo da torcida local. "Desapareceu" para o torcedor brasileiro, mas ficou feliz mesmo assim.

Encerrou sua carreira em 1996. Retornou ao Rio de Janeiro e logo iniciou uma carreira de técnico, treinando Americano, Vasco (uma brevíssima passagem em 2000), Urawa Red Diamonds (Japão), El Paso Patriots (EUA), América-RJ, Bangu, Caxias, Remo e Campinense, seu último clube. Ainda espera uma chance de poder brilhar fora de campo da mesma forma que fez dentro dele.

Publicado originalmente no fórum Futebol News em julho de 2005

Foto: SambaFoot / PLACAR

A glória e a decadência de um técnico





Nova Lima, interior mineiro, 1951. Neste ano, chegava à equipe local do Villa Nova um jovem treinador, de apenas 23 anos de idade e dois de carreira, mas muitas idéias em mente.

Martim Francisco Ribeiro de Andrada andava preocupado com a mesmice que imperava no futebol brasileiro. Praticamente todas as equipes se utilizavam do célebre "WM", criado pelo lendário Herbert Chapman no Arsenal londrino da década de 20 [o nome se deve ao desenho formado pela disposição dos jogadores em campo; traduzido numericamente, seria o esquema 2-3-5]. Contudo, Martim queria um esquema que pudesse dar mais liberdade de criação aos atletas.

Foi assim que nasceu o esquema "4-2-4", bem como o costume de usar os números para definir a tática de uma equipe. Martim foi criticado e até ridicularizado pela ousadia, sendo tachado de "inventor" e "visionário". Porém, com o novo esquema tático, o modesto Villa acabou por sagrar-se campeão mineiro naquele mesmo ano, batendo o poderoso Atlético; e no ano seguinte, utilizando a mesma tática, Martim conquistou o vice-campeonato com outra equipe pequena, a Siderúrgica de Sabará. E o "inventor" passou a ser chamado "cientista do futebol".

Não demorou para a novidade ser adotada e padronizada por todas as demais equipes do futebol brasileiro. Obviamente, o sucesso do novo esquema também fez com que clubes grandes voltassem sua atenção para o trabalho do jovem treinador. O primeiro deles foi o próprio Galo, sua primeira vítima, mas que acabou compensado com o bi em 1953/54. No ano seguinte, um novo resultado expressivo para Martim: um vice carioca com o América, em final polêmica onde o Flamengo conquistou o segundo de seus quatro tricampeonatos.

Em 1956, Martim Francisco desembarcou em São Januário para treinar um Vasco quase tão forte quanto o lendário Expresso da Vitória, formação que marcou época na década anterior. Substituindo Flávio Costa, técnico vice-campeão do mundo em 1950, passou a ter em suas mãos craques como Pinga, Vavá, Orlando, Bellini, Sabará e outros. Conquistou o título estadual no mesmo ano; após, comandou o esquadrão cruzmaltino na conquista de diversos torneios amistosos internacionais, entre eles o tradicional Teresa Herrera, em La Coruña.

Em uma conseqüência óbvia de tanto sucesso, foi cogitado para assumir a Seleção Brasileira que disputaria a Copa do Mundo na Suécia, em 1958. Mas seu temperamento forte e seu gênio complicado o afastaram do cargo, que acabou ficando com o bonachão Vicente Feola. Mesmo assim, não deixou de se fazer presente na inédita conquista, uma vez que a equipe utilizou justamente o esquema por ele criado sete anos antes; e a combinação deste com os novos gênios do futebol, como Pelé, Garrincha e Nílton Santos, encantou o mundo. Não demorou muito, o 4-2-4 ganhou a Europa e o resto do planeta; e assim seria até os anos 70, quando as maiores preocupações defensivas resultaram no advento do 4-3-3.

Também Martim viria a ser descoberto pelos Europeus. Entre idas ao Velho Mundo e retornos ao futebol brasileiro, passou por inúmeras equipes: Bangu, Corinthians [vice-campeão paulista em 1962], Cruzeiro [onde criou o famoso "tripé" de meio-campo, em 1967, viabilizando a escalação de Piazza, Zé Carlos e Dirceu Lopes juntos na equipe titular], Internacional, Vitória de Setúbal e Porto (ambos de Portugal), Betis, Elche e Athletic Bilbao (todos da Espanha), entre outras.

Mas o destino reservava agruras para o treinador. Envolvendo-se com más companhias, começou a beber. E as conseqüências foram trágicas: começou a chegar constantemente embriagado a treinos e concentrações, constrangendo dirigentes e jogadores. E aí começou sua ruína: com o tempo, os cartolas, em vez de o ajudarem, o abandonaram. Perdeu espaço nos grandes clubes.

Começou a rodar o Brasil: Goiânia, Rodoviário (AM), Vasco de Passos (MG), entre outras equipes de pouca expressão. E sua saúde também começou a definhar em decorrência dos abusos. Veja a foto acima: é de 1973, quando Martim chegou a Maceió para treinar o CRB. Tinha apenas 45 anos na ocasião, mas já estava precocemente envelhecido.

Foi no CRB que viveu um dos casos mais polêmicos e tristes de sua carreira: já acometido de problemas hepáticos e diabético, freqüentava assiduamente os bares e botequins de Maceió, contrariando as ordens médicas, que o proibiam expressamente de beber. Em uma dessas jornadas, encontrou em um bar com um conselheiro do CSA e um dirigente do São Domingos. Após muita conversa, regada a muita bebida, Martim acabou sendo conduzido à concentração do São Domingos, para assinar contrato com o clube.

A resposta do CRB foi rápida: o demitiu por justa causa e acusou, em nota oficial, a direção do São Domingos de embriagar o treinador propositalmente para "raptá-lo"; na mesma nota, "lavava as mãos" sobre o destino de Martim. A história acabou de forma triste para o técnico: foi demitido pelo São Domingos apenas dois dias após ser contratado.

Nos anos seguintes, Martim seguiu um rosário de peregrinação por equipes pequenas e de idas e vindas a hospitais e centros de reabilitação. Foi abandonado pela mulher, que levou os três filhos do casal para Juiz de Fora. E sua saúde estava cada vez mais frágil.

Em 1979, parecia que iria renascer. Aparentemente curado do vício, foi campeão metropolitano com o Gama, o primeiro título conquistado pela equipe alviverde em sua história. Mas foi apenas o epílogo de sua carreira. Voltou a beber, foi dispensado pela equipe candanga e retornou a Belo Horizonte, esperando em vão por algum novo convite para voltar a exercer sua profissão e eterna paixão.

Foi finalmente vencido pelo vício em 23 de junho de 1982, aos 54 anos, pobre, sozinho, esquecido pela mídia e cercado de poucos amigos fiéis. Não mais que trinta pessoas compareceram a seu sepultamento no cemitério do Bonfim. Ao mesmo tempo, e talvez numa última homenagem instintiva, a fantástica seleção brasileira treinada por Telê Santana dava mais um de seus shows na Copa do Mundo da Espanha, goleando a Nova Zelândia por 4 x 0.

Publicado originalmente no fórum Futebol News em julho de 2005

Foto: Museu dos Esportes